terça-feira, 3 de maio de 2011

DA (DES)NECESSIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA OFENDIDA NA LEI MARIA DA PENHA

Segundo leciona Maria Berenice Dias, não havia dúvida quando da edição da “Lei Maria da Penha” acerca da desnecessidade de representação no caso de lesões corporais leves. Nesse sentido sustentava a Eminente Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

“Com referência às lesões corporais leves e lesões culposas, a exigência de representação não se aplica à violência doméstica. Esses delitos foram considerados de pequeno potencial ofensivo pela Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95, art. 88), mas sua incidência foi expressamente afastada por outra lei de igual hierarquia (Lei 11.340, art. 41): aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099/95.” [1]

Orientam em sentido uníssono Alice Bianchini e Luiz Flávio Gomes, que a representação só persiste exigível como condição de procedibilidade em relação a outros delitos, posto que, o crime de lesão corporal de natureza leve, que a Lei 9.099/95 tornou de ação penal pública condicionada a representação deixou de sê-lo pelo fato de a Lei Maria da Penha ter rechaçado a aplicação da Lei dos Juizados Especiais Criminais do âmbito de sua abrangência, in verbis:

“É evidente que esse ato (representação) só tem pertinência em relação a outros crimes (ameaça, crimes contra a honra da mulher, ...  etc.). Aliás, nesses outros crimes, a autoridade policial vai colher a representação da mulher (quando ela desejar manifestar sua vontade) logo no limiar do inquérito policial (art. 12, I, da Lei 11. 340/2006) (esclareci e atualizei) [2]

Mas, “não se pode negar, que o tema mais controverso e duvidoso em sede de violência doméstica e familiar contra a mulher, regido pela Lei 11.340/2006, é a questão da necessidade ou não da representação da mulher ofendida nos crimes de lesão corporal simples ou culposa previstos no Código Penal.” [3]

Ora, a própria lei prevê em seu artigo 12, inciso I, que em todo caso de violência doméstica e familiar contra a mulher, formalizado o boletim de ocorrência policial, a autoridade deverá ouvir a vítima e tomar a termo sua representação. Assim, a pesar da “Lei Maria d Penha” ter excluído as medidas despenalizadoras da lei 9.099/95, como se nota de seu art. 17 e art. 41, tem-se que mantida a necessidade de representação, mesmo porque conforme art. 16, o texto legal indica claramente que a renúncia ao direito de representação só será possível em juízo. Deste modo, “é dizer: quando a lei alude à representação (e a possibilidade de ‘renúncia’), significa que continua exigindo esse pré-requisito [4]

Todavia, visando pacificar a questão para reduzir o elevado volume de recursos especiais sobre o mesmo tema, em sede de decisão de recursos repetitivos, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu no REsp 1097042/DF, por seis votos a três, que o Ministério Público só pode propor ação penal nos casos de lesões corporais de natureza leve decorrentes de violência doméstica se a vítima representar. A decisão manteve os princípios da “Lei Maria da Penha”, criada para combater a violência doméstica, mantendo também como condição para o exercício da ação a necessidade de representação. Nesse sentido:

“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSO PENAL. LEI MARIA DA PENHA. CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. IRRESIGNAÇÃO IMPROVIDA. 1. A ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública condicionada à representação da vítima. 2. O disposto no art. 41 da Lei 11.340/2006, que veda a aplicação da Lei 9.099/95, restringe-se à exclusão do procedimento sumaríssimo e das medidas despenalizadoras. 3. Nos termos do art. 16 da Lei Maria da Penha, a retratação da ofendida somente poderá ser realizada perante o magistrado, o qual terá condições de aferir a real  espontaneidade da manifestação apresentada. 4. Recurso especial improvido.” [5]

Frise-se que o REsp 1097042/DF teve por precedentes o HC 110965/RS, de Relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, o HC 137620/DF, de Relatoria do Ministro Félix Fischer, o HC 113608, de Relatoria do Ministro Celso Limongi (Desembargador Convocado do TJSP).

Pelo exposto, somos forçados a nos render à conclusão pragmática esposada no referido REsp 1097042/DF, que segue em consonância com as conclusões já aventadas por Carlos Eduardo Rios do Amaral, no sentido de que,

“aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099/95, de 26 de setembro de 1995, naquilo que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e os seus institutos despenalizadores afins. E, no que esta lei ordinária “dá outras providências”, como dispondo sobre condição de procedibilidade de ação penal para determinado delito tipificado no Código Penal, despreza-se, assim, o comando literal do Art. 41 da Lei 11.340/2006, adequando-se lógica e coerentemente os diplomas em altercação, para condicionar a ação à iniciativa da ofendida nos delitos de lesão corporal leve ou culposa.” [6]

[2] Lei da violência contra a mulher – Renúncia e representação da vítima. www.jusnavigandi.com.br 04 de dezembro de 2006 - citado por GOMES, Luiz Flávio, et all. Legislação penal especial - Coleção ciências criminais. __ São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009p. 1153.

[3] http://jusvi.com/artigos/41907 em 30/08/10: Revista Jus Vigilantibus, Domingo, 20 de setembro de 2009 - Carlos Eduardo Rios do Amaral.

[4] GOMES, Luiz Flávio, et all. Legislação penal especial - Coleção ciências criminais. __ São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009p. 1153.
[5] REsp 1097042 / DF – Rel.: Min. Napoleão Nunes Maia Filho – Rel. p/ Acórdão: Min. Jorge Mussi - Terceira Seção – j. 24/02/2010 - DJe 21/05/2010)idem - p. 277.

 [6] http://jusvi.com/artigos/41907 em 30/08/10: Revista Jus Vigilantibus, Domingo, 20 de setembro de 2009 - Carlos Eduardo Rios do Amaral.