Segundo leciona Maria Berenice Dias, não havia dúvida quando da edição da “Lei Maria da Penha” acerca da desnecessidade de representação no caso de lesões corporais leves. Nesse sentido sustentava a Eminente Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“Com referência às lesões corporais leves e lesões culposas, a exigência de representação não se aplica à violência doméstica. Esses delitos foram considerados de pequeno potencial ofensivo pela Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95, art. 88), mas sua incidência foi expressamente afastada por outra lei de igual hierarquia (Lei 11.340, art. 41): aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099/95.” [1]
Orientam em sentido uníssono Alice Bianchini e Luiz Flávio Gomes, que a representação só persiste exigível como condição de procedibilidade em relação a outros delitos, posto que, o crime de lesão corporal de natureza leve, que a Lei 9.099/95 tornou de ação penal pública condicionada a representação deixou de sê-lo pelo fato de a Lei Maria da Penha ter rechaçado a aplicação da Lei dos Juizados Especiais Criminais do âmbito de sua abrangência, in verbis:
“É evidente que esse ato (representação) só tem pertinência em relação a outros crimes (ameaça, crimes contra a honra da mulher, ... etc.). Aliás, nesses outros crimes, a autoridade policial vai colher a representação da mulher (quando ela desejar manifestar sua vontade) logo no limiar do inquérito policial (art. 12, I, da Lei 11. 340/2006) (esclareci e atualizei) [2]
Mas, “não se pode negar, que o tema mais controverso e duvidoso em sede de violência doméstica e familiar contra a mulher, regido pela Lei 11.340/2006, é a questão da necessidade ou não da representação da mulher ofendida nos crimes de lesão corporal simples ou culposa previstos no Código Penal.” [3]
Ora, a própria lei prevê em seu artigo 12, inciso I, que em todo caso de violência doméstica e familiar contra a mulher, formalizado o boletim de ocorrência policial, a autoridade deverá ouvir a vítima e tomar a termo sua representação. Assim, a pesar da “Lei Maria d Penha” ter excluído as medidas despenalizadoras da lei 9.099/95, como se nota de seu art. 17 e art. 41, tem-se que mantida a necessidade de representação, mesmo porque conforme art. 16, o texto legal indica claramente que a renúncia ao direito de representação só será possível em juízo. Deste modo, “é dizer: quando a lei alude à representação (e a possibilidade de ‘renúncia’), significa que continua exigindo esse pré-requisito [4]
Todavia, visando pacificar a questão para reduzir o elevado volume de recursos especiais sobre o mesmo tema, em sede de decisão de recursos repetitivos, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu no REsp 1097042/DF, por seis votos a três, que o Ministério Público só pode propor ação penal nos casos de lesões corporais de natureza leve decorrentes de violência doméstica se a vítima representar. A decisão manteve os princípios da “Lei Maria da Penha”, criada para combater a violência doméstica, mantendo também como condição para o exercício da ação a necessidade de representação. Nesse sentido:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSO PENAL. LEI MARIA DA PENHA. CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. IRRESIGNAÇÃO IMPROVIDA. 1. A ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública condicionada à representação da vítima. 2. O disposto no art. 41 da Lei 11.340/2006, que veda a aplicação da Lei 9.099/95, restringe-se à exclusão do procedimento sumaríssimo e das medidas despenalizadoras. 3. Nos termos do art. 16 da Lei Maria da Penha, a retratação da ofendida somente poderá ser realizada perante o magistrado, o qual terá condições de aferir a real espontaneidade da manifestação apresentada. 4. Recurso especial improvido.” [5]
Frise-se que o REsp 1097042/DF teve por precedentes o HC 110965/RS, de Relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, o HC 137620/DF, de Relatoria do Ministro Félix Fischer, o HC 113608, de Relatoria do Ministro Celso Limongi (Desembargador Convocado do TJSP).
Pelo exposto, somos forçados a nos render à conclusão pragmática esposada no referido REsp 1097042/DF, que segue em consonância com as conclusões já aventadas por Carlos Eduardo Rios do Amaral, no sentido de que,
“aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099/95, de 26 de setembro de 1995, naquilo que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e os seus institutos despenalizadores afins. E, no que esta lei ordinária “dá outras providências”, como dispondo sobre condição de procedibilidade de ação penal para determinado delito tipificado no Código Penal, despreza-se, assim, o comando literal do Art. 41 da Lei 11.340/2006, adequando-se lógica e coerentemente os diplomas em altercação, para condicionar a ação à iniciativa da ofendida nos delitos de lesão corporal leve ou culposa.” [6]
[2] Lei da violência contra a mulher – Renúncia e representação da vítima. www.jusnavigandi.com.br 04 de dezembro de 2006 - citado por GOMES, Luiz Flávio, et all. Legislação penal especial - Coleção ciências criminais. __ São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009p. 1153.
[3] http://jusvi.com/artigos/41907 em 30/08/10: Revista Jus Vigilantibus, Domingo, 20 de setembro de 2009 - Carlos Eduardo Rios do Amaral.
[4] GOMES, Luiz Flávio, et all. Legislação penal especial - Coleção ciências criminais. __ São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009p. 1153.
[5] REsp 1097042 / DF – Rel.: Min. Napoleão Nunes Maia Filho – Rel. p/ Acórdão: Min. Jorge Mussi - Terceira Seção – j. 24/02/2010 - DJe 21/05/2010)idem - p. 277.
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