quinta-feira, 30 de junho de 2011

É possível a condenação por homicídio sem encontrar o corpo da vítima?

Lanço a questão para aqueles que eventualmente passem pelo blog. Espero respostas, que analisarei posteriormente redigindo uma matéria com citação das respostas e nomes dos participantes.

O que gostaria de saber é a opinião do leitor sobre o caso do Goleiro Bruno na suposta morte da amante Elisa Samúdio? Ele foi pronunciado para ir a julgamento perante o Tribunal do Júri. Não há evidências concretas do crime. Apareceu na mídia (Estado de Minas 29/06/11) suposta extorção e ameaça praticada pelo delegado responsável pela investigação e tentativa de corrupção (concussão) de uma juíza do Estado de Minas Gerais. Ressalte-se que o crime que deixa vestígio exige exame pericial. Pergunto: sem o aparecimento do corpo e sem elementos concretos da efetiva morte poderá ser o Acusado condenado?

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Impunidade: Lei 12.403/2011

IMPUNIDADE: Lei 12.403/11 - nova lei de prisões e medidas cautelares.

O Congresso Nacional aprovou o projeto de lei regulando matéria processual acerca de prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares, que foi sancionado pela Presidente da República em 04/05/11 e publicada no Diário Oficial da União em 05/05/11, vindo a lume sob a forma da Lei 12.403/11, com vigência a partir de 04/07/11.

Muitos têm propagado que referida lei trará impunidade e gerará insegurança social, afirmando que os “bandidos” ficarão à solta, enquanto a população geme tremendo de medo de ser atacada por tais seres do submundo do crime. Contudo, tais opiniões, a pesar de merecerem certo respeito, mesmo por significarem a livre expressão do pensamento garantida constitucionalmente, sob a ótica jurídica-constitucional se encontram um tanto quanto equivocadas.

A lei nova apenas promoveu uma adaptação do Código de Processo Penal (CPP) à Constituição da República (CRFB). Antes mesmo do advento desta lei a doutrina mais qualificada e a jurisprudência mais garantista já interpretavam o CPP sob a ótica constitucional, afirmando e reconhecendo que no Estado Democrático de Direito a regra é a liberdade, consistindo a prisão processual ou provisória a exceção, cabível apenas em casos excepcionalíssimos. O cidadão só pode ser mantido encarcerado depois de condenado pela prática delitiva por sentença irrecorrível.

Luiz Flávio Gomes (LFG), embasado em conhecimento profundo do direito penal pátrio e internacional já lecionava que o direito penal é a “ultima ratio”, ou seja, a derradeira trincheira na proteção dos bens jurídicos, que somente deverá ser utilizada no caso de ataques graves a bens jurídicos penalmente protegidos, que ofendam ou gerem sério risco de ofensa concreta a tais bens, apenas quando os demais ramos do direito não forem suficientes para evitar a lesão ou perigo concreto de lesão. Assim, o direito penal só deverá atuar por exceção. A prisão processual ou provisória, leciona LFG, é a “extrema ratio da ultima ratio”, ou seja, é a exceção da exceção. Se o Direito Penal é a exceção, sendo a liberdade a regra, aquilo que é exceção dentro do Direito Penal é a exceção da exceção reafirmando a regra.

Se a regra é a liberdade, garantida constitucionalmente pelo art. 5º, incisos LIV, LVII, LXI e LXVI, a prisão constitui exceção, necessariamente. Deste modo, somente seria admissível a prisão sem pena, ou prisão provisória, leia-se, prisão em flagrante, prisão preventiva e prisão temporária, em caso de extrema necessidade e utilidade.

Daí que, só teria cabimento a prisão antes da sentença penal condenatória definitiva nos casos em que se encontrasse provada a existência do crime e houvesse indícios veementes de que o agente ou acusado fosse seu autor. Mas esses dois requisitos sozinhos ainda não autorizavam a prisão processual nem a manutenção do acusado preso, era preciso a concorrência de outros pressupostos legais elencados no art. 312 do CPP. Era necessário que o agente ou acusado, colocasse em risco a garantia da ordem pública ou da ordem econômica, prejudicasse ou tentasse atrapalhar a colheita da prova durante a instrução do processo, ou houvesse fundado receio de que pudesse ele fugir da comarca, gerando prejuízo para a eventual aplicação da lei penal. Todos esses pressupostos deveriam ser demonstrados concretamente pelo Juiz ao decretar a medida de exceção, com base em elementos objetivos constantes do processo.

Essa já era a regra da prisão e da liberdade desde a CRFB (05/10/1988), antes mesmo do advento da nova lei processual em comento. Tal regra, todavia, vinha sendo muito desrespeitada por alguns agentes do Estado, diga-se, juízes, promotores de justiça e delegados de polícia, que liam o Código de Processo Penal sozinho, sem a luz direcional e garantista da CRFB. Por isto os presídios se encontram abarrotados de presos que deveriam estar em liberdade provisória, segundo a ótica constitucional cidadã.

Tanto é verdade que, há dez anos quando iniciei minhas atividades profissionais na comarca de Pouso Alegre, MG, na defesa criminal, estavam encarcerados na cadeia local 74 presos. Em novembro de 2009, quando se inaugurou o presídio na comarca havia 380 presos na cadeia, cuja capacidade legal era de 64 vagas. Observe-se que a capacidade do presídio naquela oportunidade era de 380 vagas, e hoje já se encontram presos 680 cidadãos naquela instituição prisional, além dos transferidos arbitrariamente para outras comarcas e dos quase duzentos que se encontram cumprindo pena na APAC.

Disso conclui-se que, ou o crime está acabando com a cidade/país e todos estamos correndo sério risco de vida, o que justificaria uma revolta armada para tomada do poder das mãos das autoridades corrompidas que não estão cumprindo seu papel constitucional e não conseguem manter a ordem e a segurança nacional, coisa que não acredito, ou as ditas autoridades não estão cumprindo a diretriz constitucional e mantém encarcerados muitos que deveriam esta aguardando em liberdade seus julgamentos.

A própria edição da lei dá a resposta. Há muito exagero no aprisionamento processual. Algumas autoridades públicas têm tratado o cidadão delinqüente como inimigo de guerra, como a sujeira que tentam a todo custo esconder debaixo do tapete, para que a “visita” não veja que a casa está desarrumada e imunda. Acreditam que varrer a “sujeira” para debaixo do tapete (manter o acusado preso sem sentença) seja mais rápido do que arrumar a casa (julgar o cidadão dentro dos padrões legais). Pode ser mais rápido, porém arbitrário, injusto, aviltante, ilegal e em alguns casos até criminoso.

Acredito que aquele que comete crime deve ser punido severamente, devendo custear sua manutenção no ambiente carcerário mediante trabalho interno remunerado, em especial deve ser reeducado para o retorno ao convívio na civilização, desde que provada sua participação no delito e sua culpa. Mas isto não retira sua cidadania. Ele não deixa de ser cidadão nem de ser protegido das arbitrariedades do Estado pela só prática delitiva, por mais grave que ela seja.

O criminoso, por mais perverso que seja, não passa a ser inimigo do Estado, como pregam alguns. Ele mantém suas liberdades e garantias constitucionais até que se prove sua culpa. Provada judicialmente sua culpa, dentro do devido processo legal, respeitada a ampla defesa e o contraditório assegurados e garantidos constitucionalmente, ele tem restringidos (não extintos) alguns direitos e algumas garantias. Assim, não “perde” nenhum de seus direitos e garantias. Nosso Estado democrático de direito não admite a pena de morte em estado de paz, nem a “captis diminuti maxima” romana, leia-se a perda da cidadania ou morte civil. O preso deve retornar ao convívio social recuperado e reeducado para poder se reinserir através do trabalho honesto e do bom convívio familiar e social. Para isto as APAC’s têm dado relevante contribuição.

Às vezes pode ser um pouco complicado para pessoas não afetas ao estudo do direito entender a norma. Afirma-se que não deveria ser assim. Todas as pessoas deveriam entender o sistema jurídico, que teria que ser mais simples e inteligível. As leis não deveriam ser tão complicadas e a interpretação deveria estar ao alcance de todos, mesmo porque todos devem conhecer e respeitar as leis e os ditames normativos delas decorrentes, já que destinatários do sistema legal-constitucional. Mas infelizmente não é assim.

Encerrando, deixa-se ao cidadão comum a explicação de que a nova lei não vai gerar a impunidade, mesmo porque não se pode punir ninguém antes da sentença penal condenatória definitiva, da qual não caiba mais recurso. Por outro lado, se as autoridades não quiserem ver “bandidos soltos” devem primeiro arregaçar as mangas e trabalhar já que são pagas para isto, devem começar cada qual cumprir seu papel constitucional e legal. O Executivo deve investir mais em educação e geração de emprego e renda, o Legislativo estudar mais as conseqüências das leis que editam, muitas das quais são feitas em exclusivo benefício próprio. Já o Judiciário, que é o poder mais respeitado no país por ser comprovadamente o mais honesto e menos corrupto, deve dar celeridade às suas decisões. Decidir com justiça é analisar com imparcialidade a causa e a prova produzida nos autos do processo, sem deixar se levar por predileções e razões outras escusas e indemonstráveis, de modo a assegurar ao jurisdicionado que a lei foi aplicada de acordo com o sistema normativo vigente, de modo célere, dentro duma razoabilidade esperada do magistrado, que é passível até da falibilidade inerente a todo ser humano julgador.