segunda-feira, 13 de abril de 2015

Fundamento de validade do direito de punir do Estado

Fundamento de validade do direito de punir do Estado:

Pode-se dizer, conforme os contratualistas, que o direito de punir do estado tem por fundamento de validade o contrato social. Segundo Roseau, na “origem das desigualdades sociais”, a ideia de propriedade deu ensejo às desigualdades entre as pessoas conforme a apropriação direta de bens da natureza que cada qual pudesse fazer e manter. O mais forte podia se apropriar de mais bens da natureza e conseguir mantê-los sob seu domínio em detrimento dos mais fracos. Todavia, muitas vezes a força sozinha não era capaz de impedir a expropriação desses bens por outras tribos ou clans mais numerosos e poderosos. Essa dificuldade de manutenção do status dominial ensejou o nascimento do Estado, com a função precípua de garantir a propriedade e propiciar a segurança às pessoas. Os ataques contra as normas penais deveriam ser reprimidos sempre para demonstrar, inobstante, a manutenção da validade e vigor normativo.

Immanuel Kant sustenta que, na formação do Estado pelo contrato social, ao abandonar o estado da natureza, o ser humano abriu mão de uma parte de sua liberdade em troca da proteção da propriedade e da segurança pública. Surgiu daí a impossibilidade da justiça ou vingança privada. A justiça passa a ser pública, Estatal, Judiciária. A punição do infrator serve para reafirmar a validade e vigor da norma. A pena é a retribuição justa pelo injusto praticado. É a resposta estatal legítima à conduta ilegítima do cidadão, impingindo-lhe um mal justo em decorrência do mal injusto por ele praticado, independentemente de qualquer fim utilitário.

Assim, ao consentir com a criação do Estado, atribuindo-lhe o poder de editar normas gerais, abstratas e cogentes, o ser humano consentiu que esse ente pudesse usar da violência, então legitimada pela vontade de seus membros, para criar e manter a paz entre os súditos. A norma representa a vontade da maioria expressa na forma de leis e regulamentos editados por seus representantes no poder legislativo, em tese, para a proteção do bem comum, da propriedade e da segurança pública.

Segundo o pensamento da escola crítica de Viena, desenvolvida entre nós por Juarez Cirino dos Santos com base filosófica e criminológica em Alessandro Barata, as normas do Estado visam proteger a propriedade e os direitos fundamentais dos detentores de capital, num total abandono aos interesses dos trabalhadores. O Estado de direito legitima a expropriação de parte da mão-de-obra do trabalhador pelo capital, a mais-valia, que enriquece as classes dominantes empobrecendo e criminalizando as classes dominadas. O Estado teria sido criado para fortalecer e perpetuar o domínio das classes dominantes, ao passo que o direito penal seria um mecanismo para encarcerar a pobreza, mantendo-a afastada do Poder Estatal. O direito, nessa ótica, seria um instrumento de controle social criado para manter “as coisas” exatamente como estão. Não seria um instrumento de evolução e desenvolvimento da sociedade. O ius puniendi teria por fundamento de validade o interesse das classes dominantes, dos detentores de capital.

Kelsen escalona o ordenamento jurídico na clássica figura piramidal, afirmando que o fundamento de validade da norma inferior é a norma superior imediata, que encontra seu fundamento de validade em outra norma imediata superior, e assim sucessivamente até encontrar o fundamento de validade de todo o sistema na constituição, que por sua vez tem por fundamento de validade na norma hipotética fundamental, que nada mais é senão o preceito de que “todos devem respeitar a constituição”, ou seja a impossibilidade de negação - ou inegabilidade - dos pontos de partida. Nesse sentido, o fundamento de validade do ius puniendi do Estado, criado para proteger a propriedade e propiciar segurança pública, seria a própria norma hipotética fundamental.

Roxin e Jakobs, funcionalistas, pensam o fundamento de validade de forma distinta. Claus Roxin sustenta que a finalidade do Direito Penal seria a proteção de bens jurídicos mais caros aos cidadãos contra os ataques mais graves e intoleráveis. Günther Jakos pensa que o direito penal tem por função a proteção da norma. O criminoso viola a norma proibitiva, que, contudo, se mantém válida e vigente voltando-se contra o infrator. Nessa tese, toda e qualquer violação da norma penal deveria ter consequência jurídica sob pena de enfraquecer o sistema normativo, e com ele a segurança das pessoas.

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